23 de fevereiro de 2005

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Uma noite dos meus quinze anos dei comigo a chorar. Não sei já qual foi o caminho que me conduziu às lágrimas, tudo vai tão longe, perdido na fita branca do passado. Só me recordo de que o pai me ouviu e se levantou. Sentou—se ao de leve na borda da minha cama, pôs—se a acariciar—me os cabelos, quis saber o que eu tinha.
— Estou só, pai. Não é mais nada. Dei porque estava só e isso pareceu-me... Que parvoíce, não é? Estou agora só! E tu então?
Tentei rir a tapar-me, já arrependida da franqueza, mas ele não colaborou e isso salvou-o da raiva que eu havia de lhe ter na manhã seguinte. Não se riu e a sua voz, quando veio, era muito doce, quase triste.
—Também deste por isso—disse brandamente. —Também deste por isso. Há gente que vive setenta e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze... Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.
— Mas tu, pai...
— Eu... As pessos que enchem o teu mundo são diferentes das do meu... No fundo é muito provável que algumas delas sejam as mesmas, mas aí está, se fosse possível encontrarem-se não se reconheciam nem mesmo fisicamente... Como havemos de nos ajudar? Ninguém pode, filha, ninguém pode...
Ninguém pôde.
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Maria Judite de Carvalho, Tanta Gente, Mariana
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