24 de julho de 2005


Alexandre Dumas (1802-1870)


Alexandre Dumas recebia à linha nos romances que publicava em episódios e, por isso, era muitas vezes levado a aumentar o número de linhas, para ganhar um pouco mais. No capítulo XI de Os Três Mosqueteiros (ao qual voltaremos noutra conferência), d'Artagnan encontra a amada Constance Bonacieux, desconfia de que lhe é infiel e tenta descobrir por que se encontra ela de noite próximo da casa de Aramis. Eis uma parte, e só uma parte, do diálogo:

— Sem dúvida; Aramis é um dos meus melhores amigos.
— Aramis! Que quereis dizer?
— Então, não me digais que não conheceis Aramis...
— É a primeira vez que oiço pronunciar esse nome.
— É também a primeira que vindes a esta casa?
— Sem dúvida.
— E ignoráveis que era habitada por um homem?
— Ignorava.
— Por um mosqueteiro?
— Claro.
— Não foi portanto a ele que viestes procurar?
— De modo nenhum. Aliás, como bem vistes, a pessoa com quem falei era uma mulher.
— É verdade; mas essa mulher é uma amiga de Aramis.
— Não sei nada a tal respeito.
— Uma vez que mora com ele.
— Não tenho nada com isso.
— Mas quem é ela?
— Oh, esse é o meu segredo!
— Querida Sr.ª Bonacieux, sois encantadora; mas ao mesmo tempo sois a mulher mais misteriosa...
— E isso prejudica-me?
— Não, pelo contrário, torna-vos adorável.
— Então, dai-me o braço.
— Com muito prazer. E agora?
— E agora acompanhai-me.
— Aonde?
— Aonde vou.
— Mas aonde ides?
— Vê-lo-eis, pois deixar-me-eis à porta.
— Deverei esperar-vos?
— Seria útil.
— Regressareis, portanto, sozinha?
— Talvez sim e talvez não...
— Mas a pessoa que vos acompanhará depois será homem ou mulher?
— Por ora não sei.
— Sabê-lo-ei eu!
— Como?
— Esperar-vos-ei para vos ver sair.
— Nesse caso, adeus!
— Que dizeis?
— Que não preciso de vós.
— Mas pedistes-me...
— Pedi a ajuda de um gentil-homem e não a vigilância de um espião.
— A palavra é um pouco dura!
— Como se chamam aqueles que seguem as pessoas sem elas quererem?
— Indiscretos.
— A palavra é demasiado suave.
— Pronto, senhora, já vejo que se tem de fazer tudo o que quereis.
— Por que vos privastes do mérito de o fazer imediatamente?
— Não dais a ninguém o direito de se arrepender?
— E vós arrependei-vos de verdade?
— Nem eu próprio já sei. Mas o que sei é que vos prometo fazer tudo o que desejardes, se me deixardes acompanhar-vos aonde ides.
— E deixar-me-eis depois?
— Sim.
— Sem me espiardes à saída?
— Sim.
— Palavra de honra?
— Palavra de gentil-homem!
— Dai-me o braço e vamos então.

Umberto Eco, Seis Passeios nos Bosques da Ficção
Lisboa, Difel, 1997.


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