9 de agosto de 2007


Mário Cesariny (1923-2006)



de profundis amamus


Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso



Mário Cesariny






2 comentários:

SL disse...

O verbo amar de facto é estranho. Mas no fundo ele só se sabe a sentir.
Jinho

El Vaporcito disse...

a Graça,
a "mãe" de tantos belos "nascimentos".

A tua graça leva-nos também longe, muito longe (e ao mesmo tempo tão perto...!).

Muito obrigado pelas tuas palavras no meu blog.

El Vaporcito.