29 de abril de 2012





Gosto de coisas tristes mas contentes. Não disse isto, desculpa, o que quero dizer é que gosto de coisas felizes mas tristes. Ora, "a mesma coisa", dirás! Talvez, mas o que te quero revelar é que sinto que sempre gostei de chorar quando estou alegre. A tristeza mais bela de todas é a felicidade com lágrimas nos olhos.Agora sim, exactamente isto. O contrário aqui não é verdade. As coisas tristes são realmente tristes, não havendo para mim qualquer beleza nelas. Ontem chorei no concerto dos Goldfrapp e pensei em ti. Não me perguntes porquê, porque não sei. Nem tudo tem que ter uma resposta. Chorei, admito, como um rapazinho que não aguenta a emoção de ver a mãe chegar de uma viagem muito longa. 

Há muito tempo, durante a minha infãncia, o meu pai, fazia-me algo de muito parecido quando, religiosamente, chegava a casa por volta das seis e meia da tarde. Lembro-me bem, como se fosse hoje, que a minha mãe, conhecedora como ninguém da silhueta dele me dizia "vem ali em cima o teu pai" e eu, não duvidando nunca desta sensibilidade, corria de braços abertos a rua inteira para encontrar o regaço do meu pai, que me dava dois beijinhos e me trazia de volta, como recompensa, às cavalitas. Tinha seis anos, talvez menos, talvez mais, não sei, mas o que guardo daí era o meu pai parado no meio da rua, a rir-se, de braços abertos com se fosse um deus, orgulhoso e atento aos carros que passavam, à minha espera, para me atirar ao ar como só um pai sabe fazer. 

E depois daí, do alto dos seus ombros, sentia-me maior do que tudo à minha volta, e acenava à minha mãe que, com um lenço branco e humor refinado, gritava “ai, que rico filhinho, ai que bela prendinha!”

Se um dia for pai, gostava de ter um filho que fizesse o mesmo por mim, que corresse para mim como eu corria para o meu, que me amasse tanto como ele amava  (e ama, presumo) e me esperasse religiosamente como eu o fazia, todos os dias, esperando o sábio sinal da minha mãe que me dizia sempre, todos os dias antes de partir, "vai pelo passeio, pelo carreirinho (assim é que era), tem cuidado com os carros". 

Ainda hoje, com 26 anos, perdi a esperança de fazer com que a minha mãe e o meu pai deixassem de fazer os mesmos pedidos, as mesmas recomendações, os mesmos avisos.Invariavelmente, “não chegues tarde a casa”, “fecha as portas do carro”, “telefona quando chegares”. Não há maneira de os fazer desistir, da mesma forma, que se torna complicado desistir de alguém, de fazer as mesmas perguntas, de clamar idênticos pedidos. Não há outra forma, a não ser habituarmo-nos a isto, mesmo que nos pareça igual a sempre, mas desde que nos saiba tão bem como das primeiras vezes. 

E sendo assim, não resisto a uma estranha analogia entre tudo isto de que te falo e a paixão que sinto por ti. 



A minha paixão por ti é eu ser orfão, viver num reformatório e esperar pela visita de alguém que me tire dali. Calma, ainda não é isto. A minha paixão por ti é estar numa fila imensa com meninos mais bonitos que eu, bem melhor tratados, mas mesmo assim, fazendo tudo para que me escolhas a mim e me leves para fora. Porque é a ti que eu quero e a mais ninguém. E mesmo quieto, estou aos saltos cá dentro quando te vejo, mesmo mudo, estou a gritar para que me leves daqui, mesmo aqui, entre todos, faço força com os olhos para que fiquem maiores à tua passagem. E mesmo que não me leves desta vez, fico à espera de outra, e mais outra, até ao dia, em que não sobra mais ninguém, em que só estou eu ali, sozinho, sem mais meninos bonitos, sem mais nada, quase nu, com uma roupa velha e suja, à espera que me agarres. E se, mesmo assim, não o fizeres,  quero que saibas que dali não saio sem ti, mesmo que ali fique, para sempre, toda a vida, na certeza de que não me vendi a outra pessoa, na esperança de que tu voltes. Porque é o teu regresso que me importa, porque é esse bocadinho em que te vejo que me faz ficar de lágrimas nos olhos mas contente cá por dentro. Porque é mesmo isto, é mesmo isto que eu penso, a mais bela das tristezas é a felicidade com lágrimas nos olhos.


                    Fernando Alvim, No dia em que fugimos tu não estavas em casa 

3 comentários:

Anónimo disse...

Que texto bonito.
E fez recordar-me algo em que já não pensava há muito tempo: quando eu anda ás cavalitas do meu pai...

Graça disse...

Obrigada pelo comentário. :)

PnS disse...

Belo texto. Viajei... encontrei-me em tanto deste sentir.
Obrigada.