31 de maio de 2008



LII

The spotted hawk swoops by and accuses me, he complains
of my gab and my loitering.


I too am not a bit tamed, I too am untranslatable,
I sound my barbaric yawp over the roofs of the world.


The last scud of day holds back for me,
It flings my likeness after the rest and true as any on the shadow'd wilds,
It coaxes me to the vapor and the dusk.


I depart as air, I shake my white locks at the runaway sun,
I effuse my flesh in eddies, and drift it in lacy jags.


I bequeath myself to the dirt to grow from the grass I love,
If you want me again look for me under your boot-soles.


You will hardly know who I am or what I mean,
But I shall be good health to you nevertheless,
And filter and fibre your blood.


Failing to fetch me at first keep encouraged,
Missing me one place search another,
I stop somewhere waiting for you.

Walt Whitman, Song of Myself

29 de maio de 2008




Voy a dormir

Dientes de flores, cofia de rocío,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme prestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos escardados.


Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Ponme una lámpara a la cabecera;
una constelación, la que te guste;
todas son buenas, bájala un poquito.


Déjame sola: oyes romper los brotes...
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases


para que olvides... Gracias... Ah, un encargo:
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido.


Alfonsina Storni

24 de maio de 2008


When You Are Old


When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;


How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;


And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.


William Butler Yeats

22 de maio de 2008




3.



pouco mais há a dizer, caminho largando os últimos resíduos da memória. fragmentos de noite escritos com o coração a pressentir as catástrofes do mundo. a grande solidão é um lugar branco povoado de mitos, de tristezas e de alegria. mas estou quase sempre triste. algumas fotografias revelam-me que noutros lugares já estivera triste, por exemplo, no fundo deste poço vi inclinar-se a sombra adolescente que fui. água lunar, canaviais, luminosos escaravelhos. este sol queimando a pele das plantas. caminho pelos textos e reparo em tudo isto. o que começo deixo inacabado, como deixarei a vida, tenho a certeza, inacabada. o mundo pertenceu-me, a memória revela-me essa herança, esse bem. hoje, apenas sinto o vento reacender feridas, nada possuo, nem sequer o sofrimento. outra memória vai tomando forma, assusta-me. ainda quase nada aconteceu e já envelheci tanto. um jogo de estilhaços é tudo o que possuo, a memória que vem ainda não tem a dor dentro dela. as fotografias e os textos, teu rosto, poderiam projectar-me para um futuro mais feliz, ou contarem-me os desastres dos recomeçados regressos. mas, quando mais tarde conseguir reparar que a vida vibrou em mim, um instante, terei a certeza de que nada daquilo me pertenceu. nem mesmo a vida, nenhuma morte, na mesma posição, reclinado sobre meu frágil corpo, recomeço a escrever, estou de novo ocupado em esquecer-me. a escrita é precária morada para o vaguear do coração. resta-me a perturbação de ter atravessado os dias, humildemente, sem queixumes. anoitece ou amanhece, tanto faz.



Al Berto, O Medo

19 de maio de 2008




TACITURNO



Há ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Jóia profunda a minha alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.



No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe real de heróis de outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.



Heráldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
humilhações a liz, desforços de brocado;
Basílicas de tédio, arnezas de crispado,
Insígnias de Ilusão, trofeus de jaspe e Outubro...



A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou - embalde a tentarão descer...
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer -
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido...



Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trono a espessas densidades,
Onde os panos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divãs, em redor, ânsias, lassas, absortas...



Há roxos fins de Império em meu renunciar -
Caprichos de cetim do meu desdém Astral...
Há exéquias de heróis na minha dor feudal -
E os meus remorsos são terraços sobre o mar...


Mário de Sá-Carneiro

12 de maio de 2008




1.


(Os anos passarão. Os canteiros hão-de gerar um outro buxo. Outros pássaros virão cantar nos ramos altos do pinheiro manso e dos plátanos. A tia morrerá. E a casa e o jardim, a própria vila, suas rotinas, seus ritmos e seus ecos. Não ficará senão a tua voz na tarde calma. Olá, disseste. E a terra começou a tremer.)


Manuel Alegre, A Terceira Rosa

11 de maio de 2008


Salvador Dalí,O Livro-Árvore



9 de maio de 2008


Charles Simic (1938)


Errata

Where it says snow
read teeth-marks of a virgin
Where it says knife read
you passed through my bones
like a police-whistle
Where it says table read horse
Where it says horse read my migrant's bundle
Apples are to remain apples
Each time a hat appears
think of Isaac Newton
reading the Old Testament
Remove all periods
They are scars made by words
I couldn't bring myself to say
Put a finger over each sunrise
it will blind you otherwise
That damn ant is still stirring
Will there be time left to list
all errors to replace
all hands guns owls plates
all cigars ponds woods and reach
that beer-bottle my greatest mistake
the word I allowed to be written
when I should have shouted
her name

Charles Simic




8 de maio de 2008



Cantiguinha

Meus olhos eram mesmo água,
— te juro —
mexendo um brilho vidrado,
verde-claro, verde-escuro.

Fiz barquinhos de brinquedo,
— te juro —
fui botando todos eles
naquele rio tão puro.

Veio vindo a ventania,
— te juro —
as águas mudam seu brilho,
quando o tempo anda inseguro.

Quando as águas escurecem,
— te juro —
todos os barcos se perdem,
entre o passado e o futuro.

São dois rios os meus olhos,
— te juro —
noite e dia correm, correm,
mas não acho o que procuro.

Cecília Meireles, Viagem