21 de março de 2009




Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe uma paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
.
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
.
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...

Alberto Caeiro



16 de março de 2009






Bordas de hielo

Vengo a verte pasar todos los días,
vaporcito encantado siempre lejos...
Tus ojos son dos rubios capitanes;
tu labio es un brevísimo pañuelo
rojo que ondea ¡en un adiós de sangre!

Vengo a verte pasar; hasta que un día,
embriagada de tiempo y de crueldad,
vaporcito encantado siempre lejos,
la estrella de la tarde partirá!

Las jarcias; vientos que traicionan; vientos
de mujer que pasó!
Tus fríos capitanes darán orden;
y quien habrá partido seré yo...

César Vallejo

14 de março de 2009





Último dos poemas de um marinheiro

das paixões só conheci as mais pequenas
aquelas que nasciam na palma das mãos e desapareciam
com a água do mar. mas não eram paixões por barcos
ou pássaros ou cabelos teus: só uma fenda no céu
verde e azul e uma casa desabitada

das paixões só conheci as mais pequenas
como se no minuto imediato eu tivesse de esperar a morte
ou as aves no seu regresso do norte
de resto, implorei aos deuses uma morada branca
onde nenhum peixe chegasse antes do alvorocer
onde nenhum nome coubesse, onde nenhum olhar entrasse
implorei aos deuses o seu encantamento
não o seu dó. foi então que, das paixões, das mais pequenas
surgiram os teus olhos tão verdes e tão brancos
que só eu neles poderia poisar como um pescador
sem mar onde navegar ou lavar o rosto.




Francisco José Viegas, As Imagens




9 de março de 2009




Privilegio


Io sono un buon compagno. Agevolmente
mi si prende per mano, e quello faccio
ch'altri mi chiede, bene e lietamente.

Ma l'anima secreta che non mente
a se stessa mormora sue parole
Anche talvolta un dio mi chiama, e vuole
ch'io l'ascolti. Ai pensieri
che io mi nascondo allora, al cuor che batte
dentro, all'intensità del mio dolore,
ogni uguaglianza fra gli uomini spengo.

Ho questo privilegio. E lo mantengo.

Umberto Saba
Privilege

I am a good friend. I’m easily
taken by the hand, and I do what
others ask of me, well and cheerfully.

But my secret soul that does not lie
to itself murmurs its own words.
And sometimes a god calls me and wants
me to listen to him. With the thoughts
that are born in me then, with my heart
beating inside, with the intensity of my pain,
I reject all likeness with other men.

I have this privilege. And I will keep it.

Tradução inglesa de George Hochfield and Leonard Nathan