Às vezes, encontro-me nas palavras dos outros. Mais raramente, nas minhas. Por pura coincidência. Em pura coincidência.
19 de maio de 2008
TACITURNO
Há ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Jóia profunda a minha alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.
No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe real de heróis de outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.
Heráldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
humilhações a liz, desforços de brocado;
Basílicas de tédio, arnezas de crispado,
Insígnias de Ilusão, trofeus de jaspe e Outubro...
A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou - embalde a tentarão descer...
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer -
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido...
Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trono a espessas densidades,
Onde os panos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divãs, em redor, ânsias, lassas, absortas...
Há roxos fins de Império em meu renunciar -
Caprichos de cetim do meu desdém Astral...
Há exéquias de heróis na minha dor feudal -
E os meus remorsos são terraços sobre o mar...
Mário de Sá-Carneiro
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