27 de fevereiro de 2009



Povoamento


No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera


Ruy Belo

25 de fevereiro de 2009



Em Lisboa com Cesário Verde


Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro do que um gato persa;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver as gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo, em flor também;
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu já sei bem.
Só ele ajusta a luz feliz dos seus
Versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
de um verão muito antigo, com corvetas
lentas ainda no rio, e a música,
sumo do sol a escorrer da boca,
ó minha infância, meu jardim fechado,
ó meu poeta, talvez fosse contigo
que aprendi a pesar sílaba a sílaba
cada palavra, essas que tu levaste
quase sempre, como poucos mais,
à suprema perfeição da língua.


Eugénio de Andrade

22 de fevereiro de 2009




Hoje é um dia qualquer. As coisas acontecem sempre
num dia qualquer, nós é que referenciamos o dia
em que as coisas aconteceram. O 14 de Julho, o 25 de Abril,
"faz hoje quinze anos que", "completam-se dois séculos amanhã",
e todos os dias acontecem coisas importantes para cada um de nós,
só que há dias em que as coisas que acontecem
são importantes para todos. Então o dia
deixa de ser um dia qualquer e, à posteriori, é quase sempre,
e para sempre, um dia de referência. Foi
num dia qualquer que te conheci. E, num dia qualquer,
comecei a amar-te. E amo-te. Todos os dias. Até qualquer dia.
O amor, a dor, a gente, toda a gente,
acaba, inevitavelmente, num dia qualquer.



Joaquim Pessoa, Vou-me embora de mim
.

9 de fevereiro de 2009





The Taxi


When I go away from you
The world beats dead
Like a slackened drum.
I call out for you against the jutted stars
And shout into the ridges of the wind.
Streets coming fast,
One after the other,
Wedge you away from me,
And the lamps of the city prick my eyes
So that I can no longer see your face.
Why should I leave you,
To wound myself upon the sharp edges of the night?
.
Amy Lowell
.

8 de fevereiro de 2009




Mattina


M’illumino
d’immenso


Giuseppe Ungaretti


.



1 de fevereiro de 2009



What happens to a dream deferred?



Does it dry up
Like a raisin in the sun?
Or fester like a sore--
And then run?
Does it stink like rotten meat?
Or crust and sugar over--
like a syrupy sweet?

Maybe it just sags
like a heavy load.

Or does it explode?


Langston Hughes