25 de janeiro de 2005


VirginiaWoolf(1882-1941)


Mrs. Dalloway disse que ela própria ia comprar as flores.
O serviço de Lucy estava já determinado. As portas seriam retiradas dos gonzos; o pessoal de Rumpelmayer vinha a caminho. E que manhã, pensou Clarissa Dalloway – tão fresca, como se feita para as crianças brincarem na praia.
Que prazer! Que mergulho! Era esta a sensação que tinha sempre, em Bourton, quando, com um leve ranger de dobradiças, igual ao que agora ouvia, escancarava as janelas e mergulhava no ar puro. Era tão fresco e calmo, nessa altura, o ar da manhã, tão silencioso, muito mais que aqui; era como o bater de uma onda, o beijo de uma onda; frio, cortante e contudo (para a rapariga de dezoito anos que ela era então) solene, sentindo, como sentia, de frente para a janela aberta, que algo de espantoso estava para acontecer; olhando para as flores, para as árvores de onde a névoa se desprendia, para as gralhas subindo e descendo, até que Peter Walsh lhe disse: "A meditar entre os vegetais?" - seria isso? - "Eu cá prefiro os homens às couves-flores?" – seria isso? Devia tê-lo dito numa manhã ao pequeno almoço, quando ela saiu para o terraço - Peter Walsh. Voltaria da Índia brevemente, em Junho ou Julho, já não se lembrava ao certo; as suas cartas eram tão aborrecidas; lembrava-se, porém, de coisas que ele dissera, lembrava-se dos seus olhos, do seu canivete, do seu sorriso, da sua rabugice e também, quando milhões de outras coisas se haviam já desvanecido – era tão estranho isto! –de certos ditos, como esse acerca das couves.

Virginia Woolf, Mrs. Dalloway (excerto)

4 comentários:

Anónimo disse...

"A meditar entre os vegetais?"
Só obtusidades de quem não sabe desta vida.
Um excerto meticulosamente eleito ou muito me engano.

Graça disse...

Os anónimos enganam-se com frequência. O excerto é simplesmente o início de Mrs. Dalloway, portanto, não foi "meticulosamente eleito", há passagens bem mais interessantes, mas o início pode despertar a curiosidade de ler o romance em quem não o conheça. Só isso.

Mito disse...

Sugere-se também a leitura de Comme un Roman, de Daniel Pennac, para os anónimos, Como um Romano.
E vivam os vegetais de todas as cores e mais os seus comentários!

Patrícia Mota disse...

Pois... e calculo que poucos não viram o tão badalado filme "As Horas"... Pois, eu também vi. Só que felizmente não tenho a preguiça normal dos homens, e dei-me ao trabalho de ler também o livro. Escusado será dizer que me deu muito mais prazer ler o livro, dá me sempre...

Gostei deste post especialmente por apelar a leitura.