30 de julho de 2005


Emily Brontë (1818-1848)


Não sei como explicá-lo, mas certamente que tu e toda a gente têm a noção de que existe, ou deveria existir, um outro eu para além de nós próprios. Para que serviria eu ter sido criada, se apenas me resumisse a isto? Os meus grandes desgostos neste mundo foram os desgostos do Heathcliff, e eu acompanhei e senti cada um deles desde o início; é ele que me mantém viva. Se tudo o mais perecesse e ele ficasse, eu continuaria, mesmo assim, a existir; e, se tudo o mais ficasse e ele fosse aniquilado, o universo tornar-se-ia para mim numa vastidão desconhecida, a que eu não teria a sensação de pertencer. O meu amor pelo Linton é como a folhagem dos bosques: transformar-se-á com o tempo, sei-o bem, como as árvores se transformam com o Inverno. Mas o meu amor por Heathcliff é como as penedias que nos sustentam: podem não ser um deleite para os olhos, mas são imprescindíveis. Nelly, eu sou o Heathcliff. Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. Não por prazer, tal como eu não sou um prazer para mim própria, mas como parte de mim mesma, como eu própria. Portanto, não voltes a falar na nossa separação, pois é algo de impraticável, e...

Emily Brontë, O Alto dos Vendavais
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1993
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5 comentários:

Graça disse...

"um outro eu para além de nós próprios" não é o mesmo que "outro eu em nós", mas é uma interpretação interessante...
As irmãs Brontë são relativamente conhecidas (ou deviam sê-lo), sobretudo a Emily, considerada a mais "estranha" das três.De qualquer modo, não sei se recomende O Monte dos Vendavais ou O Alto dos Vendavais, consoante a edição, como "livro de férias"...

Anónimo disse...

Olá! Sinto que vários «eus» existem em mim... apenas quero, ou sou forçada a mostrar aquele «eu» que todos conhecem, mas os outros estão cá, sinto-os....obrigada pelo excerto, fez-me pensar!!!!(o que já não fazia há algum tempo:)).Beijocas

Graça disse...

Eu bem te disse, biga, para deixares de ler Pessoa, mas nunca me ouves...
Agora a sério, dá-lhes espaço (aos "eus"), não os cales, que eles hão-de arranjar forma de falar em harmonia.
E não te esqueças que "pensar incomoda como andar à chuva", deixa-te disso...

Menina Marota disse...

Pois é... o meu outro "eu"... será mesmo Emily Brontë?

Nasci a 30 de Julho... e os meus blog's, são os meus verdadeiros eus? É lá que me confesso...

Bj ;)

Graça disse...

Quem sabe, "menina marota", quem sabe? Há muitas "Emilys" por aí, com a intensidade (in)contida da Brontë...
É importante estarmos próximos de nós próprios, ou tentarmos, pelo menos, seja de que forma for- e um blog é uma excelente forma.

Beijinho!