O teu sorriso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu sorriso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados,
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar, o teu sorriso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me
todas as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu sorriso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
o teu sorriso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu sorriso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu sorriso,
porque então morreria.
Pablo Neruda, Os versos do capitão
4 comentários:
lindo, fez-me lembrar:
«Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia entrar nele,
tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso»
Eugénio de Andrade
É verdade... E também gosto muito deste poema de Eugénio de Andrade, que não lia há algum tempo. Obrigada pela associação, Paula.
Obrigada por ter escolhido este poema,aquele de que falei há uns dias atrás, lembra-se?
Obrigada,também, Paula por me dar a conhecer este poema de Eugénio de Andrade.
O sorriso é,sobretudo, isso : luz.
Lembro-me, sim, e agradeço a sugestão.
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