28 de agosto de 2011
































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Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".


O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.


Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.


Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já .

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.


Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.

A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.


Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos
.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.


Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.



Pablo Neruda, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada

2 comentários:

Anónimo disse...

Lindíssimo.

Tão lindo que sei de cor algumas linhas...

"Nega-me o pão, o ar, a luz, a Primavera..."

Graça disse...

Sim, é bonito, mas sem deixar de ser, digamos, verdadeiro - "É tão curto o amor, tão longo o esquecimento"...


"Nega-me o pão, o ar, a luz, a Primavera..." - sugestão para um próximo poema?