Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944)
– Esta noite – preveniu-me meu pai – hás-de os ouvir sussurrar nas tendas e chegarão aos teus ouvidos protestos contra o que eles consideram uma crueldade. Mas eu esmagar-lhes-ei na garganta a menor tentativa de rebelião. Ou não tratasse de forjar o homem!
E, no entanto, adivinhava a bondade de meu pai.
– Quero que eles amem – concluía ele – as águas vivas das fontes. E a superfície ininterrupta da cevada verde, recozida na crepitação do Verão. Quero que eles glorifiquem o regresso das estações. Quero que eles se alimentem, semelhantes a frutos que se realizam, de silêncio e de vagar. Quero que eles chorem por muito tempo os seus lutos, que prestem demoradas homenagens aos mortos, porque a herança passa lentamente de geração para geração. O que eu não quero é que eles derramem o seu mel pelo caminho. Quero que eles sejam semelhantes ao ramo da oliveira, que sabe esperar. Quando forem semelhantes a ele, começarão a sentir o grande balançar de Deus, que vem como um sopro experimentar a árvore. Ora os leva ora os traz, da alba para o crepúsculo, do Verão para o Inverno, das searas que medram para as colheitas já enceleiradas, da mocidade para a velhice, e depois da velhice para os filhos novos. Porque, tal como acontece com a árvore, não podes saber seja o que for do homem se o desdobras pela sua duração e o distribuis pelas suas diferenças. A árvore não é semente, depois caule, depois tronco flexível, depois madeira morta. Para a conhecer é preciso não a dividir. A árvore é essa força que desposa a pouco e pouco o céu. É o que acontece contigo, meu rapaz. Deus faz-te nascer, faz-te crescer, enche-te sucessivamente de desejos, de pesares, de alegrias e de sofrimentos, de cóleras e de perdões, até que te faz ingressar de novo n'Ele. E, no entanto, tu nem és aquele estudante, nem aquele esposo, nem aquela crinça, nem aquele velho. Tu és aquele que se cumpre. E, se sabes ver em ti um ramo que baloiça, bem pegado à oliveira, hás-de nos teus movimentos gozar da eternidade. E tudo à volta se tornará eterno. Eterna a fonte que canta e soube matar a sede a teus pais, eterna a luz dos olhos quando a bem-amada te sorrir, eterna a frescura das noites. O tempo deixa de ser uma ampulheta que vai gastando a areia, e faz lembrar um ceifeiro que ata a sua gavela.
E, no entanto, adivinhava a bondade de meu pai.
– Quero que eles amem – concluía ele – as águas vivas das fontes. E a superfície ininterrupta da cevada verde, recozida na crepitação do Verão. Quero que eles glorifiquem o regresso das estações. Quero que eles se alimentem, semelhantes a frutos que se realizam, de silêncio e de vagar. Quero que eles chorem por muito tempo os seus lutos, que prestem demoradas homenagens aos mortos, porque a herança passa lentamente de geração para geração. O que eu não quero é que eles derramem o seu mel pelo caminho. Quero que eles sejam semelhantes ao ramo da oliveira, que sabe esperar. Quando forem semelhantes a ele, começarão a sentir o grande balançar de Deus, que vem como um sopro experimentar a árvore. Ora os leva ora os traz, da alba para o crepúsculo, do Verão para o Inverno, das searas que medram para as colheitas já enceleiradas, da mocidade para a velhice, e depois da velhice para os filhos novos. Porque, tal como acontece com a árvore, não podes saber seja o que for do homem se o desdobras pela sua duração e o distribuis pelas suas diferenças. A árvore não é semente, depois caule, depois tronco flexível, depois madeira morta. Para a conhecer é preciso não a dividir. A árvore é essa força que desposa a pouco e pouco o céu. É o que acontece contigo, meu rapaz. Deus faz-te nascer, faz-te crescer, enche-te sucessivamente de desejos, de pesares, de alegrias e de sofrimentos, de cóleras e de perdões, até que te faz ingressar de novo n'Ele. E, no entanto, tu nem és aquele estudante, nem aquele esposo, nem aquela crinça, nem aquele velho. Tu és aquele que se cumpre. E, se sabes ver em ti um ramo que baloiça, bem pegado à oliveira, hás-de nos teus movimentos gozar da eternidade. E tudo à volta se tornará eterno. Eterna a fonte que canta e soube matar a sede a teus pais, eterna a luz dos olhos quando a bem-amada te sorrir, eterna a frescura das noites. O tempo deixa de ser uma ampulheta que vai gastando a areia, e faz lembrar um ceifeiro que ata a sua gavela.
Antoine de Saint-Exupéry, Cidadela
Tradução de Ruy Belo
Lisboa, Editorial Aster, 4ª ed., 1978.
1 comentário:
Ruy Belo e Saint-Exupéry. Mais do que '2 em 1' é 'muito em dois'. :o)
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