Miguel de Unamuno(1864-1931)
(retrato de Ramón Casas)
(…)
«Esperar o amor! Só o espera quem o tem já dentro de si! Cremos cingir a sua sombra, quando ele, o amor, invisível aos nossos olhos, nos estreita e nos oprime. Quando julgamos que morreu em nós, é porque já tínhamos morrido dentro dele, pois só se ama deveras depois que o coração do amante se misturou, em almofariz de angústia, com o coração do ente amado. E o amor - paixão - partilhada, é paixão, dor comum. Dele vivemos, sem dele darmos conta, como não nos damos conta de vivermos do ar, até ao momento de asfixia angustiosa. Esperar o amor! Só espera o amor, só por ele chama, aquele que o possui já em si, o que do seu sangue vive, mesmo sem saber.
É a água subterrânea a que aviva a secura. Sentimos, por vezes, uma sede abrasadora, tal qual a do campo deserto que se abre em sulcos de secura, ao passo que voam à solta, à superfície, as folhas levadas pelo vento suão; e, todavia, nas profundezas desse mesmo campo, sob as várzeas de sua verdura morta, corre, sobre a Tocha que a sustém, o caudal da água vivificadora. E é o rumor dessa água profunda o que se funde ao ruído das folhas secas, e vem numa altura em que a terra ressequida se escancara - e, à superfície dela, irrompem, como manancial, as águas adormecidas. Assim é o Amor».
«É o egotismo, porém, minhas irmãs e meus irmãos, é o triste e orgulhoso amor-próprio que nos cega, a fim de não enxergarmos o amor que nos cinge e envolve, para não o sentir. Queremos tirar-lhe algo, não nos entregarmos de todo a ele - e o amor deseja-nos e reclama-nos inteiros. Queremos que ele seja nosso, que se submeta aos nossos insensatos desejos, na busca do nosso esplendor pessoal e Ele, o Amor, o Amor incarnado e humanizado, exige que a ele pertençamos, inteiramente - e só a ele. E quando nos submetemos?"
Miguel de Unamuno, "Uma História de Amor"