Vasco Graça Moura (1942)
uma palavra no coração
...mit einer Hoffnung auf ein kommendes Wort im Herzen
Paul Celan
quando celan visitou heidegger, e passearam
pelo bosque antes da chuva, ao despedir-se escreveu
no livro da casa sobre a esperança de uma
palavra a vir no coração. e repetiu em todtnauberg,
dois anos antes de morrer, a referência obscura
à linha escrita nesse livro, de uma esperança, então, de que,
a um ser pensante?, de um ser pensante?,
viesse uma palavra no coração. no coração, no lugar onde
a palavra reconcilia por lá se encontrar desde antes,
esperadamente. ao coração, seria menos visceral.
ou já lá estava pronta a vir ou não valia a pena
fosse quebrado o silêncio em tanta expectativa.
as raízes do fogo e do sangue são as raízes
violentas do poema, no seu magma revolto de estranhezas
ou nalguma ténue chama azulando-se em sílabas
delicadas como asas. instalada no coração,
uma palavra, uma oferenda de música e plantas silvestres,
viria a irromper do orvalho, benfazeja, transportando
se não o esquecimento, a paz. uma palavra.
tudo o que celan pedia e não sabemos se obteve
e talvez ainda procurasse numa noite de abril, no rio sena.
Vasco Graça Moura
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