24 de janeiro de 2006


Edith Wharton (1862-1937)




O dia estava a desvanecer-se num pôr de Sol suave, rasgado aqui e ali por uma luz amarela eléctrica, e passavam poucas pes­soas na pequena praça para onde tinham virado. Dallas parou de novo e olhou para cima.
— Deve ser aqui — disse, dando o braço ao pai com um mo­vimento de que a timidez de Archer não fugiu. E ficaram juntos a olhar a casa.
Era um edifício moderno, sem características distintas excepto muitas janelas, e com agradáveis varandas à frente pintadas de creme. Numa das varandas superiores, que ficava bem acima das copas arredondadas dos castanheiros da Praça, as gelosias ainda estavam descidas, como se o sol tivesse acabado de partir.
— Qual será o andar? — perguntou Dallas, e, dirigindo-se para a porte-cochère, pôs a cabeça na janela da porteira voltou-se e dis­se: — O quinto deve ser aquele das gelosias. — Archer continuou imóvel a olhar para as janelas de cima como se o fim da sua pe­regrinação tivesse sido atingido.
— Vamos lá, sabe, são quase seis horas — disse-lhe o filho. O pai olhou para um banco vazio sob as árvores.
— Acho que me vou sentar ali um momento — disse.
— Porquê, não está bem? — exclamou o filho.
— Oh, perfeitamente, mas gostava que você subisse sem mim, por favor.
Dallas parou diante dele, visivelmente espantado:
— Mas então, pai, quer dizer que não vai subir?
— Não sei — disse Archer lentamente.
— Se o pai não for, ela não vai entender.
— Vai, meu rapaz, talvez eu vá depois.
Dallas olhou-o através do crepúsculo.
— Mas que vou eu dizer?
— Meu caro, não sabes sempre o que dizer? — respondeu o pai com um sorriso.
— Muito bem, vou dizer que o pai é antiquado e prefere subir os cinco andares porque não gosta de elevadores. O pai sorriu novamente.
— Diz apenas que eu sou antiquado.
Dallas olhou-o de novo e depois, com um gesto incrédulo, en­trou na escada e desapareceu da vista.
Archer sentou-se num banco e continuou a olhar para a varan­da cerrada. Calculou o tempo que o filho levaria no elevador até ao quinto andar, a tocar à campainha, a ser admitido no hall e de­pois introduzido na sala. Imaginou Dallas a entrar nessa sala com o seu passo rápido, o sorriso aberto e atraente e pensou se teriam razão ao dizer que o filho «saía a ele».
Depois, tentou ver as pessoas já na sala — pois provavelmen­te a essa hora social haveria mais de uma pessoa —, e entre elas uma senhora morena e pálida que olharia rápida, se ergueria a meio e estenderia uma mão longa, esguia, com três anéis... pensou que ela deveria estar sentada num sofá de canto perto do fogo, com azáleas atrás dela numa mesa.
— É mais real para mim do que se eu subisse — ouviu-se di­zer a si próprio; e o medo que a última sombra de realidade per­desse o seu limite conservou-o no banco enquanto os minutos passavam.
Ficou sentado longo tempo no crepúsculo crescente, com os olhos sempre postos na varanda. Finalmente, uma luz brilhou na janela e um momento mais tarde um criado veio à varanda, subiu as gelosias e fechou as portadas.
Então, como se fosse o sinal por que esperava, Newland Archer levantou-se lentamente e voltou sozinho para o hotel.
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Edith Wharton, A Idade da Inocência
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1 comentário:

Mito disse...

Só conheço a dolorosamente bela adaptação cinematográfica. Tem um senão, é o filme preferido do Paulo Portas. Logo...